Depois de já ter testemunhado algumas madrugadas numa
das mais belas e idílicas lagoas da Serra da Estrela, surge a ocasião de
concretizar aquilo que tanto almejava: pernoitar na Lagoa
da Paixão para fotografar o pôr e o nascer-do-sol.
A «Expedição Pé Furado» designada pelos quatro
expedicionários da jornada - eu próprio, Marco Santos Marques, Pedro Santos e
Ana Catarina Silva - surge ironicamente quando na véspera, o elemento feminino da
comitiva, teve um pequeno incidente na planta do pé esquerdo, colocando em
risco a sua própria participação, mas sem nunca beliscar qualquer propósito
desta incursão, como em jeito de chacota foi declarado pelos restantes membros
do grupo. Felizmente para a Ana Catarina Silva e afortunadamente para a expedição
o problema foi atempadamente resolvido, sob as mãos cuidadosas de Elsa Leitão
que para além desta meticulosa tarefa, participou afincadamente na logística da
viagem.
A Expedição propriamente dita iniciou-se pelas quatro
horas da tarde do dia 28 de agosto, numa curta viagem de carro que ligou a Vila
de Manteigas e o local do início da caminhada até à Lagoa da Paixão. Chegados à
zona das Salgadeiras - Torre, foi o momento de repartir o peso das mochilas
entre os expedicionários, pois para além do equipamento fotográfico e tripés,
havia que transportar o essencial da alimentação e a roupa de aconchego para a
noite.
Carregado o material às costas, deixamos a
nossa boleia que nos levou ao ponto de partida desta aventura. A caminhada
iniciou-se já perto da quatro e meia da tarde. Pela frente algumas exigências, tendo
em conta não só o próprio traçado, mas o desnível acentuado do percurso.
Pouco mais de uma hora de caminhada, surge a tão
esperada chegada à Lagoa da Paixão.
«Em meu gosto, é a mais bonita lagoa da serra». É com
esta simplicidade que Emygdio Navarro, no livro «Quatro Dias na Serra da
Estrela» (1884), descreve a Lagoa da Paixão ou do Peixão como também é assim
referenciada na carta militar.
Localizada a 1.666 metros de altitude, na cabeceira
do Vale da Candeeira, Concelho de Manteigas - Serra da Estrela, sob a vigia
sobranceira do Cântaro Gordo e a proteção do Fragão do Passarão e do Fragão do
Poio dos Cães.
Após um pequeno e descontraído descanso das costas e
ombros que suportaram o equipamento, era o momento de eleger o sítio para
pernoitar que deveria assentar em dois princípios básicos: fora do alcance dos
enquadramentos das objetivas e o mais protegido do vento.
Escolhido o local e depois de um ligeiro lanche, era a
altura de verificar o melhor enquadramento para o pôr-do-sol que apressadamente
declinava para além da montanha, com o propósito de captar o reflexo do recorte
do Cântaro Gordo na Lagoa da Paixão.
Já debruçado sobre a Lagoa da Paixão, a decisão passou
por descalçar as botas, despir as calças, entrar na água tépida e molhar as
pernas um pouco acima dos joelhos.
Acomodado dentro de água com o amparo do tripé,
surgiam os primeiros registos desta épica aventura. A serenidade sobrepunha-se
a tudo e a todos os que estávamos no local.
À medida que a hora
avançava, já muito mais não seria de esperar da luz do final deste dia na Lagoa
da Paixão. Apenas sobrava tempo para contemplar a magnitude da paisagem. Mas
pacientemente aguardava dentro das águas mornas da Lagoa, como que alguém me
dissesse para não renunciar o enquadramento, quando nas minhas costas sob o
Fragão do Poio dos Cães o céu ganhava cores quentes proporcionadas pela obliquidade
do sol no horizonte. A tonalidade cinza que envolvia a «Paixão» num ápice mudou
para um azul celestial e sem esperar o sol beijava subtilmente o pico do
Cântaro Gordo.
A realidade era manifesta. Uma dádiva da mãe
natureza, sem nunca imaginar o quão belo estaria ainda para suceder. A
adrenalina avassalou o meu corpo, extasiado de tanta emoção. Incrédulo, as
pernas dentro de água fraquejavam… quando inesperadamente sob a língua de fogo
que desaparecia subtilmente no cume do Cântaro Gordo, surge tenuemente um
arco-íris!
Um cenário de conto de fadas, a exceder o irreal e o
imaginário. Mas o supremo estaria ainda para ocorrer. O arco-íris que se
iniciou na cumeeira do Cântaro Gordo depressa rasgou os céus e abraçou a Lagoa
da Paixão.
Sem palavras para transmitir a inquietação vivida neste final do dia na Lagoa da Paixão!
Com o aproximar da noite e depois de uma hora e meia dentro de água, estava
na altura de enxugar rapidamente as pernas, pois com o corpo molhado a
temperatura sentida era bastante inferior à real.
Arrumado o equipamento fotográfico na mochila, convergimos ao local onde
iriamos pernoitar. Apesar das diferentes visões sobre os instantes ali passados,
o sentimento era comum a todos os expedicionários: uma enorme satisfação perante
tal exultação da mãe natureza.
Após mais um reforço alimentar e com o céu apresentar já pouca nebulosidade, oportunidade ainda para captar alguns registos noturnos na
Lagoa da Paixão.
Passavam poucos minutos da meia noite. Altura de esticar o corpo, com o
despertador já apontado para as seis horas da manhã.
O despontar do dia 29 de agosto surge apressadamente. Retemperar forças com
o pequeno-almoço e dirigimo-nos até à margem da Lagoa da Paixão para captar o momento
em que o sol iluminaria o Fragão do Poio dos Cães.
Um dos últimos registos da «Expedição Pé Furado». Depois de arrumar todo o material e carregar aos ombros as mocilhas - passavam alguns minutos das oito horas da manhã - iniciava-se a caminhada ascendente que nos levava até ao local da partida - Salgadeiras.
O sol escaldante e as súbidas mais íngremes do percurso, obrigaram a
ligeiras paragens para ingerir líquidos. Era necessário ganhar fôlego e ânimo
para o que restava da caminhada.
Cerca das dez horas da manhã entramos no carro que nos conduziu até à Vila
de Manteigas, com a bagagem repleta de histórias e resgistos fotográficos
inesquecíveis.
E assim se constroem amizades… numa jornada fotográfica muito difícil de superar, onde as emoções sentidas ficarão para sempre gravadas nas nossas vidas!!!